A todos desejo um Ano de 2012 pleno de boas realizações. Que a vida lhes sorria e se torne cada vez mais agradável de viver.Um abraço do tamanho do mundo!
Maria Emília
SER VERTICAL
Ser antes de tudo
o que se quer.
Não parecer o que se não é.
Ser afinal cada qual
quem é.
Ser sempre o que se deve ser.
Vertical.
Inteiro.
De pé.
Maria Emília Costa Moreira
Que é feito do meu corpo
que com amor e com arte,
suave, serena e lentamente
se desenvolveu em equilibrada harmonia?
Um corpo talhado
com todos os toques,
com todos os dados,
com papel aveludado
e laçarote condizente.
Não é mais o mesmo.
Tento fugir-lhe mentalmente
e esquecer-me que existe.
Por dentro restou
um pouco do que eu era
mais o pouco que sou.
Assim transformado
se esfumaram quimeras.
O meu eu hoje se reparte
pelas aulas de Francês
e pela arte.
Pinto, escrevo e às vezes danço.
Quero esquecer o meu corpo
e sonhar um outro ausente.
Não sou mais como era dantes,
vivo o presente num rodopio pegado,
corro para todo o lado
para olvidar como estou,
neste estranho desconforto
de embalar o meu corpo
num sonho do que não sou.
Da janela rasgada das minhas águas-furtadas
alcanço um pouco de mar.
Em dias de vendaval venho espreitar as ondas,
que em lençóis alvos de espuma se enrolam
trazendo fados marinheiros
cantados pelos veleiros que se vão…a navegar.
Às vezes, ao sol poente tudo fica incandescente
com laivos de beleza singular.
Oiço então a passarada irrequieta
em constante chilrear.
Olho pela outra janela
e tenho na frente dela a campina verdejante,
debruada adiante por um sombrio pinhal.
E no silêncio da tarde há recordações a esmo
plenas de nostalgia.
Nas minhas águas-furtadas onde nasce a poesia,
Entra o sol e o luar…abunda a luz e a sombra…
As minhas águas-furtadas, meu refúgio de eleição!
Quatro paredes caiadas
Onde canto toda a minha solidão…
Verde é o mar
As algas os sargaços
Verde é a vinha
O pinhal o pomar jovem
Verde é o amor
Ao nascer nos teus braços
Nas manhãs frescas d’Abril
Verde é o teu olhar
Verde de cansaços
E de ternuras mil
Verde-musgo
Verde-folha
Verde-mar
Verde verde verde
Verde a esperança
Verde-limão
Verde-mar
Verde-amar
Vermelho é o fogo
As papoilas e o sol poente
Vermelho é o sangue
E a terra no estio quente
Vermelho é o amor
Quando maduro
Vermelho o mais lindo botão
Reflectido no teu olhar
Cintilante de desejo
Doce e duro
Vermelho-escuro
Vermelho-fogo
Vermelho-dor
Verde-vermelho vermelho-verde
Quente e frio
Vermelho-vivo
Vermelho-dor
Vermelho-amor
Soltam-se-me as palavras
ao vento, em remoinho,
e voam como flamingos
sobre as árvores nuas.
Reclamam justiça
contra a ambição sem freio.
Procuram fraternidade
no meio da podridão.
E, neste deserto povoado de egoísmo,
onde abunda a insensatez, clamam:
- o fim da violência
- o fim da corrupção.
Pois que caia a máscara de vez.
Soltam-se-me as palavras…
Seguro um livro nas mãos
e procuro ler.
Mas o espírito ausente
em navegações
no passado
no presente
e no futuro
não encontra sossego.
Olho a folha crivada de fonemas
e as linhas dispersam-se
diante dos olhos.
Não consigo prendê-las
agarrar-lhes os sentidos.
No cofre do meu peito
o coração bate forte
em silenciosos ruídos.
Os olhos cravados no céu.
Tudo impregnado de chumbo.
Súbito, na imensidão de breu,
uma janela aberta de azul vaidoso!
Janela aureolada
dum brilho perfumado de açucenas,
que inebria.
Natureza maravilhosa!
No meio das trevas…
Um jorro de alegria!
Para o frio que me gela a alma
teço o meu xaile
com fios de luz e maresia.
Invento os teus gestos,
o teu olhar aprisionando o meu,
o teu sorriso abrindo sobre a minha boca,
e olho o espelho das águas e estou só eu!
No vaivém das ondas
me aconchego e te espero.
Mais um Outono sombrio.
Vens de longe… de longa viagem…
teço sonhos enrodilhados de vento norte.
Vens?! Mas tu és apenas… miragem.
Os charcos estão cheios de flores murchas.
Elas deixaram os caules a gritar,
ao abandono…
Também os teus sentimentos estiolaram
e eu passeio-me só nos areais
ao sal do vento nesta tarde pluviosa de Outono…
Risos e cantigas de outrora
foram-se pelo mar fora rumo ao infinito…
Gaivota leve que planas
sobre a espuma das ondas,
empresta-me as tuas asas.
Deixa-me voar…voar…
Até aos confins da terra, pelo espaço sideral
Rumo à paisagem lunar…
Neste mar largo em desalinho,
as escamas de luar
reflectir-se-ão pela noite fora.
Lentamente a aurora espreguiçar-se-á
abrindo os olhos azuis.
Das rosas púrpura de Alexandria,
de lábios aveludados,
espalhar-se-á o perfume
no silêncio campestre.
Ao sol do meio-dia,
encosta abaixo o branco casario
a pintalgar a paisagem de uma paz celeste.
Outono!
Perfumes no ar.
Cânticos no celeiro.
Danças no lagar.
Tanta folha rodopia
cheia de graça,
plena de cor outonal,
num festim de euforia.
Sorrateira desce do seu altar
em valsa lenta
e senta-se no chão.
Amorosamente estende o lençol
e faz a cama fofa.
Mesmo assim as aves migrarão.
O «ó» redondo do sol.
Rosto quente e luzidio
Quase a banhar-se além Atlântico.
Sempre redondo
Sempre vermelhão
Com ar de desafio
Derramando a última réstia de luz.
Nem vento nem nuvem…
Apenas o deslizar das águas
Em calmaria.
E o sol vai descendo sorrateiro
Sempre redondo
Sempre diferente
No fim de cada dia.
Abstracção.
Sem sombras
luz plena.
Apenas formas:
arredondada
angular
fusiforme.
Abstracção.
Mar de cinza
rio frio
montanha
de urze vestida?!
Abstracção.
Dom da vida
universal.
Paz…cântico…sinfonia…
E ponto final.
Corpo aceso
habitado de mil fogos
saturados de rubro.
Corpo leve
na floresta densa
dos sentidos cegos de luz.
Corpo aberto
voluptuosamente húmido
na nudez desse ceptro.
Flor
Paixão
Lume
Esplendor
Visão
Sede
D’amor.
Cai a noite…
Escuta-se o silêncio
por entre as vielas.
O candeeiro
semeia um pouco de luz.
Cai a noite…
Às esquinas abrem-se sombras
projectadas em lajedo irregular.
Cai a noite…
A abóbada cheia de graça
e grávida de luar
mostra-se ao rio vestido de negro
que ali, a seus pés passa…
Vila do Conde, 9 de Outubro 2011
Um coração fechado
Guarda os meus anseios…
Uns olhos alados
Escondem esperanças…
Uma boca sequiosa
Selada por uma flor risonha…
Os cabelos esvoaçando ao vento
Como um véu de cambraia...
Soltam-se
Enrolam-se
Colam-se
À pele, à boca, aos olhos…
A flor é o que me resta
Da primavera de abrolhos!
Neste recanto de rio manso
encontro-me na companhia da minha solidão.
Apenas o leve roçar da folhagem
sobre a cabeça…
o chilrear dos pássaros…
e o sussurro deslizante das águas…
me chama à razão.
Aqui se me avivam memórias
de um passado longínquo de sofrimento,
de um passado recente de incompreensão,
de um presente interrogado pelo desgaste das horas.
Aqui a árvore não morrerá de pé,
mas sim, serenamente, no leito aquoso
onde mergulha raízes e ramos.
A seu lado limpo-me do fel de cada dia,
lavo-me de mágoas
e busco serenidade…
ainda que salpicada de melancolia.
A noite e as suas raízes de sombras,
Tinha de onde a onde
Um brilho coado pelas copas das árvores
Pontilhadas de estrelas.
A lua cobria tudo com um véu de prata
E, à janela da vida aberta aos amores,
Dormitavam pardais e esvoaçavam flores
Que perfumavam o ar.
Na esquinas afiadas das noites quentes,
Ouviam-se as águas deslizantes
Perfurando as marés vivas.
A noite trazia sonhos
Povoados de luras sombrias,
De brisas agrestes
Raiadas de silêncios e magias.
Damas donzelas
miragens
imagens sinuosas
de ternura
telas vivas de cor
pura
Os azuis com sabor
a maresia
o vermelho ardente
das papoilas
e o verde das pradarias
Aves poisadas
de leve
como quem foge
sobre o manto amarelo
de Van Gogh
Traços ligeiros
rectas curvas pontos
unidos nos desencontros
de uma pauta
a inventar
Caprichosamente
fauna e flora
como em eco repetidas
Musicalidade breve
luzes quimeras poesias
em torno
de figuras fugidias
Como dói a dor sofrida
na solidão
Sem astros sem guias
sem ombro amigo
sem afago de mãe
Como o medo tece torturas
infinitas
Sem sono sem estrelas
num leito articulado e branco
engolindo mistelas
Como corre o olhar
sobre as horas
Como lateja o coração
nos pulsos
Como os sonhos povoam
um corpo mutilado
que tenta arrancar harmónica beleza
num leque de cicatrizes
Como dói morder o grito de raiva
na crispação fria dum sorriso
procurando encontrar
em cada esquina da vida
um paraíso
Como bago de uva madura…
Como lágrima de sangue ardente…
Como cereja rubra de luxúria…
Como bola de fogo flamejante…
Como bóia de salvação afogada
Num imenso espelho azulíneo
Se olha
Se banha
Se rebola
Se transfigura
Se adoça
Se reveste
Se ri…
Para si