A minha homenagem a tanta mulher humilde do meu país, cuja vida foi um drama terrível desde o nascimento até à morte...
Ó mulher da minha terra
estás gasta e desfeita,
sedenta de ternura
pois a vida é dura
e os olhos e os ouvidos dos
outros
se fecham à tua dor.
Estas farta de um trabalho
sempre igual e escravizante,
sem recompensa, sem elogio
e sentes na carne a fome, a sede,
o frio
e estás só,
em casa, no campo, no rio.
Ó mulher da minha terra
de rosto duro empedernido,
de braços fortes, pernas rijas,
de ventre disforme e carne
amolecida,
pois que vezes sem conta “andas
de barriga”.
E o homem que dizes ser teu
e que nada tem de seu para te
dar,
gasta no jogo, com” mulheres” e
na taberna,
os magros tostões
com que a casa se governa.
Ó mulher da minha terra
estás só, esfarrapada e mísera,
sem dinheiro e sem carinho
e corroída pela tísica
e a sífilis e tudo o mais que
existe
e que o “teu homem” te deu de
presente.
És rica em filhos que deitas ao
mundo
um em cada ano,
e sentes que a tua vida
foi feita de rude engano.
Mas persistes sem coragem para
desfalecer,
até que um dia a morte
se lembre de te vir ver.
Ó mulher da minha terra
és resistente, pois enfrentas
o martírio da pobreza que é
constante
e não tens coragem para dizer
“Não”
aos que te exploram e oprimem.
És forte e trabalhas como um
homem,
mas não te alimentas nem ganhas
como tal.
Aí, então, deixas de ser sua
igual,
passas a ser a fraca, a ser
mulher.
Mulher criança
Menina mulher
Mulher mulher
Mulher e mãe
És tudo, encerras em ti
o que de mais belo a vida tem.
Ó mulher da minha terra
porque queres ignorar o teu
valor,
porque consentes que te atirem à
lama,
porque cruzas os braços,
porque calas a boca,
porque tapas os ouvidos,
porque cerras os dentes,
porque apertas os punhos
e aguentas?
Ó mulher da minha terra
acaso ignoras que é necessário
lutar?
Que deves fazer a tua guerra?
Já basta de implorar.
Tens de conhecer os teus direitos
de mulher,
que a vida é preciso ser vivida
haja o que houver,
que a felicidade se constrói
lutando pela própria liberdade
e que só nela é possível
atingir a igualdade.
Ó mulher da minha terra
deixa de ser a escrava,
a serva, a criada,
mulher para todo o serviço,
de permanecer na sombra, calada.
Anda, não fiques parada,
aprende a dizer “Não”
pois que a doutrina da mansidão,
da mulher objecto,
da mulher submissa,
já foi de há muito ultrapassada.
Tens de arrancar os véus da tua
mente,
limpar as teias de aranha
e as patranhas
religioso-supersticiosas
que te vêm impingindo
desde há séculos através da
história.
Lança-as para trás,
deita-as fora.
Ó mulher da minha terra
acorda!
Sai desse sono incómodo e
milenar,
desperta de uma hibernação
patética,
dispõe-te a lutar.
Ó mulher da minha terra
luta por e para ti.
Ó mulher da minha terra
terei orgulho de ti!
Histórias verdadeiras que me foram relatadas pela minha mãe, outras que eu própria conheci: jornaleiras( trabalhadoras rurais),peixeiras, leiteiras e lavadeiras, profissões típicas da aldeia onde nasci .
O poema foi escrito tinha eu 22 anos e guardei-o na gaveta. Por volta dos 35,dei-lhe uma revisão geral e voltou a hibernar...até hoje!